escrever enquanto todos dormem
«...subitamente estavas no meu verão passado. não te reconheci de imediato. é que nunca te tinha visto e isso complicou um bocado as coisas. pareceste-me mais gordinha e tinhas os lábios pintados. saías de casa, mas antes passavas horas ao espelho. acreditava que te levavas no bolso para todo e qualquer sítio para onde fosses. e, por isso, quando não te encontravas, bastava abrires o clique da mala, procurar-te lá dentro, e lá estavas tu, primeiro encolhida entre a escova, as moedas soltas e o verniz, e depois muito mais bonita e redonda, como redondos são os reflexos da luz que atravessam os vidros do autocarro e trespassam a tarde e os músicos dela. estava capaz de te beijar. estava capaz de fugir contigo para o jardim e de dar pão aos patos a tarde toda, como fazem os reformados dos comboios e os homens eternamente casados...»
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